O ano de de 1982 iniciei minhas atividades no magistério, trabalhando na Escola Estadual Isolada "João Pessoa", localidade que leva o mesmo nome, no Município de Guaramirim (SC). Foi naquele, ano que iniciou a circulação da 12ª edição da cartilha de alfabetização "
Davi meu amiguinho", distribuidas pelo Programa do Livro Didático/Ensino Fundamental, do Governo Federal, em parcerias com os governos de todos os estados da Federação, os quais tinham a incumbência de distribuí-las aos municípios.
Em Guaramirim, a cartilha foi entregue pelo Supervisor Local de Educação (SLE), Sr Emeraldo Chiodini, o qual contava com o trabalho pedagógico da Sra Delminda Silveira e a Secretária, Maria Aparecida Fiomoncini Felippe (in memorian).
Na localidade de João Pessoa, na escola pública onde exercí o meu primeiro ano de Professor, fiz o uso diário deste importante instrumento, indicado para alfabetização de estudantes de escola multeseriada, na área rural.
O método de alfabetização sintético, indicado no contexto do manual do mestre, trazia noções de como trabalhar a metodologia. Além disso, a Sr Delminda Silveira abordava em reuniões, a metodologia do uso da cartilha, estimulando a vivência das lições, cujo o professor deveria o facilitador, utilizando-se de inúmeros recursos, para fixar as atividades de formação das palavras, seguido de leituras, para interpretação e compreensão de textos simples e complexos.
De 1983 a 1984, ainda ultilzei o uso desta cartilha na Escola Isolada "Ponta Comprida", no Município de Guaramirim. Mas, em fase de formação profissional de professor conheci outros métods de alfabetização, como o Método Eclético, o qual explorava do todo às partes. A cartilha recomendada era o Barquinho Amarelo, mais adequada suas atividades ao método.
Mesmo assim, durante 1983 usei como base de apoio pedagógico, a cartilha "Davi meu Amiguinho", visto que a comunidade já conhecia o referido instrumento, pois no ano anterior de 1983, a Professora Nadir Terezinha de Azevedo Junckes (in memorian) já havia a utilizada para alfabetização.

A capa da cartilha mostra um menino rural, ligado aos valores do campo e da natureza, valorizando a família e meio onde estava inserido. A proposta da autora da cartilha era estimular as crianças do meio rural, a descobrir os valores do local onde estavam inseridas. Assim, milhares de estudantes rurais, dos diversos grotões deste país foram estimuladas e conduzidas à alfabetização, por meio ricas lições, onde um menino encantava os pequenos leitores, por meio de experiência de sua trajetória de vida.

A cartilha foi distribuída gratuitamente, no Município de Guaramirim, na época em que se encerrava um capítulo na história da República Federativa do Brasil, o fim do Regime Militar.

A cartilha era de autoria de Eunice Alves e Marcia de Almeida.Na escola da localidade de Ponta Comprida, em 1984 usei este recurso de modo parcial, pois estava migrando de método de trabalho.

Alguns alunos alfabetizados, com o uso deste instrumento pedagógico, entre os anos de 1982 e 1983: Antonio Neumann, Luciano Junckes, Alexandra Luchini, Sivone(Simone) Denk, Janete Moretti, entre outros, todos da Escola Isolada "Ponta Comprida".

Para conhecer em profundidade, vasculhei a internet, onde encopntre pesquisa, que aborda a ideologia na cartilha de alfabetização. Apesar dos trabalhos de pesquisa científica serem significativos, constatei que a seleção desta cartilha foi alvo de poucas críticas, o que revela que a referida cartilha tinha elementos significativos e raras manipulações ideológicas. Portanto, adequada a clientela rural. Ou seja, próxima a realidade das crianças do meio rural em classe de alfabetização. A seguir a análise:
Estudos Sociedade e Agricultura
Maylta Brandão dos Anjos
A ideologia das cartilhas escolares
Estudos Sociedade e Agricultura, 5, novembro 1995: 141-148.
Maylta Brandão dos Anjos é mestre pela UFRRJ/CPDA.
Este texto pretende apenas chamar a atenção sobre a presença ativa dos valores e regras de conduta no material didático brasileiro do ensino elementar. A filiação a uma linha ideológica, aqui, parece inevitável. O que já tem sido apontado pelos mais diferentes autores que afirmam não existir neutralidade na educação e, conseqüentemente, no ensino, como também nos conteúdos por ele difundidos. Apesar do saber procurar se desprender da ideologia, ficará sempre o molde, o código de interpretação que não permitirá um ensino sem amarras e vinculações (Capalbo, 1978: 41). Uma perspectiva desse tipo pode se beneficiar do entendimento de como se processa a formação da cidadania no contexto educacional.
Como salienta Bendix, nas sociedades ocidentais os atributos da educação elementar têm se convertido em elemento decisivo da conformação da cidadania. Duas seriam as principais visões sobre a relação educação/cidadania. Num primeiro momento, predominou a dos conservadores que temiam a indocilidade do povo e pensavam que podiam domesticá-lo recorrendo aos princípios fundamentais da religião e da lealdade ao governo e à Pátria. Depois, começou a ter peso o argumento dos liberais, de acordo com o qual o Estado Nacional seria o responsável pela formação da cidadania nos órgãos educacionais (Bendix, 1964).
À medida que os grandes núcleos populacionais cada vez mais foram se privando da educação elementar, o acesso aos meios educativos também foi se convertendo em um pré-requisito sem o qual nenhum dos direitos restantes reconhecidos pela lei podia vigorar plenamente (Bendix, 1964). Paulo Freire, nesse mesmo sentido, afirma "que não é possível negar - a não ser por astúcia ou angelitude - o caráter político da educação. Daí que os problemas básicos da pedagogia não sejam estritamente pedagógicos, mas políticos e ideológicos" (Freire, 1978: 64). Segundo Gadotti, "é ilusão da pedagogia tradicional sustentar que a educação pode ser desvinculada do poder da ideologia, que é possível uma educação neutra, que só a educação neutra ou desinteressada é a ‘verdadeira educação’". Daí o consenso de que a educação tem por base uma concepção ampla sobre o homem e a sociedade, decorrendo da sua difusão obrigações de caráter social que lhe retiram a possibilidade da neutralidade (Gadotti, 1978: 11).
Tornam-se particularmente emblemáticos os textos das cartilhas brasileiras que, lidos por crianças e mesmo por adultos, transmitem mensagens carregadas de valores e sugerem comportamentos e, principalmente, atitudes, como nos mostra a psicologia social, predispondo os leitores a um modo de pensar e proceder conformativo de certo tipo de indivíduo. O exercício seguinte consiste na apresentação da discursividade desse material educativo, a partir de seis temas: família, meio ambiente, cidadania, religião, escola e trabalho.
A família é apresentada nas cartilhas das décadas de 60-70 como um mundo à parte em si e para si, desvinculada da realidade social, econômica e política em que está inserida. Os seus autores tentam mostrar na família um lugar de paz, segurança e felicidade, onde não há conflitos individuais. Já os textos da década de 80 fazem indagações sobre a estrutura socioeconômico da família, inserem-na em sua comunidade e operam com uma linguagem próxima à realidade dos alfabetizandos.
Olhem a família de Davi / Papai e mamãe / Vovô e vovó / Edu e Amélia / Todos felizes / Todos alegres / Todos contentes. (A Cartilha de David, 1968).
Alves, Eunice. Davi, meu amiguinho. Rio de Janeiro, Bloch Educação, l978.
http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/cinco/maylta5.htm